terça-feira, 12 de junho de 2018

Sous le ciel de Paris






Ali, deitada sobre uma manta florida, ao som de sua playlist preferida, semicerrou os olhos. Ainda podia ver a luz laranja do entardecer invadir o quarto, dando a ele um aspecto quase místico. Seria um dia adequado para acender um incenso, mas não havia nenhum por ali. Deixou a música envolvê-la e mergulhou num som cada vez mais distante, até que seus olhos se fecharam completamente.
Sentado numa fonte em Paris, ele observava a cidade. Quem eram aquelas pessoas? Fechou os olhos por alguns segundos, mas, de alguma forma, havia escurecido. Uma brisa leve balançou seus cachos e se emaranhou por entre sua barba. Por mais que aquele olhar observasse o mundo, o que ele realmente observava era o próprio interior. A solidão era gostosa e dolorosa demais. No fone de ouvido, uma música tocava... meu amor, essa é a última oração
para salvar seu coração. A música se tornou mais alta e parou de repente. Ainda pensava sobre o sonho que acabara de ter. Ela tateou no escuro, em busca de realidade. Mas havia transcendido. Ou talvez sido parte de um sentimento que perpassou situações, pessoas, continentes e tempo. Que mudou, se adaptou e agora vive como parte do quem era. 
O celular notifica uma mensagem. Um rapaz, sob o céu de Paris, digitou:  “advinha com o que sonhei?”. 
É, eu sei.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Oceano

Não queria me sentir assim, como uma adolescente em crise. Mas uma parte em mim insiste em reviver o passado. Meu grande pecado. Me prender a todas essas coisas. Como todas aquelas cartas e fotos antigas. Mais de um amigo me disse que era deprimente guardar aquilo. Quanto apego! Mas o passado também é parte de mim. Que me faz ser seja lá o que eu for.
Gosto dessa perspectiva, meus dedos deslizando pelo teclado. É uma confissão horrível. Uma traição ao movimento. Mas escrever numa folha com um lápis, sempre foi mais sofrimento que libertação. Aqui não, o infinito se estende diante de mim. O barulho do teclado é como se concentrar na própria respiração enquanto se medita.
Mas eu estava falando sobre o passado e como é perigoso sair pra nadar nas lembranças. Encontrar o ponto de equilíbrio temporal é o desafio. Carpe diem, eles dizem. Eu tento, desesperadamente. Carpe diem é minha oração. Por um tempo. Depois fica vazio demais. Quando você joga fora o passado todo dia e Carpe diem, quando você não pensa sobre o futuro e carpe diem, o que sobra? Agora é só o que você é. Só o que você tem. Ser é maravilhoso. Mas se não tiver passado ou futuro, talvez você também só esteja. À deriva, no oceano presente. Tantos náufragos ao redor. Posso sentí-los. Espero que tenham tábuas.

domingo, 29 de janeiro de 2017

1 segundo

O brilho da noite se esgueira pela janela. O vidro completamente transparente permite a entrada de uma luz amarelada. O quarto tem sua escuridão violada. O céu, por outro lado, esconde suas estrelas. Uma música toca ao fundo, mas quase não posso ouví-la. Concentro-me no som da minha respiração. O ar percorre as vias aéreas e preenche os pulmões. O universo se expande em mim e depois vai embora. O cheiro de incenso alimenta minha mente e ataca minha rinite. A cidade silencia. Quantos dormem, enquanto o universo os nina?

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Nota sobre o fim das férias

Morar fora é como destruir um pedacinho de si mesma para caber a nova pessoa que tu é. Estar na terra natal é como estar envolto nos braços da tua mãe. Só que isso também não é mais suficiente, porque tu sente saudades da nova casa. Mas ao chegar lá, teu coração fica vazio. Ah... essa primeira noite é sempre a mais triste. Nenhuma música, nenhum filme ou mesmo um livro enriquece a solidão. Porque tem toda esta saudade no peito. Nada nem ninguém é capaz de preencher o espaço deixado por aquele você que já não existe.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Diálogos de um sábado qualquer

- Oi, tudo bem?
- Quanto tempo não é mesmo?

Risos sem graça. Abraços sem jeito.

Mas... será que você não estranha esse distanciamento? Será que as vezes não sente essa vontade que eu sinto de te fazer um cafuné?
Por que não faço?
Ah, sabe como é... tem uma certa convenção social que fala que não é tão legal ficar por aí afagando a cabeça de outras pessoas assim, do nada.
Não me olha assim.
Eu sei que não devia me importar com esse tipo de coisa, mas eu também não devia sentir esses desejos.

Só que hoje eu quando eu abri meus olhos, você foi a primeira coisa que eu pensei. Estranho né?
Quer dizer.. de certa forma, suponho que seja natural. 
Na verdade hoje eu acordei e eram seus olhos vendo o mundo. Hoje acordei um pouco você. E eu gosto disso. De me perder um pouco.
Mas eu queria te fazer uma pergunta.

Deixa eu bagunçar você?


- Bom te ver.
- A gente vai se falando.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Ipês

Primeiro eu gritei. Comigo e com o mundo. Depois veio o nada. Olhei através da janela: as grades mais do que nunca se tornavam parte principal da paisagem. Buscava beleza, algo em que me agarrar. Mas tudo era cinza. Onde outrora havia uma alameda de ipês rosas, agora só restavam galhos secos, sem uma folha sequer. Pensei em desistir dos planos. Desisti de um. Ou dois. Mas continuei com outros e segui. Depois, veio a calma. Ah, a calma. Quão deliciosa é essa perspectiva.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Honestidade

Há algum tempo venho sacrificando a mim mesma em prol de ser uma adulta. Demorei um tempo para perceber isso. Mas um dia eu parei, olhei bem para mim mesma e pensei em quanto eu havia mudado. Me orgulhei do meu “amadurecimento” por um tempo, mas a verdade é que nem tudo foram flores. Onde estavam meus momentos de abstração? De sonhos sem sentidos? De imaginar situações loucas? De imaginar dramas pessoais que me levam a uma catarse? Cadê o momento choro-purificação semanal? Cadê as danças noturnas no pijama? Onde está o momento de ouvir o barulho das folhas secas sob os pés? Onde estava cada pequena coisa que me fazia eu, pelo menos para mim. Era como se eu fosse só um corpo, cumprindo suas tarefas. Uma casca oca. Muitas coisas precisaram acontecer para eu perceber o quão perdida eu estava (e ainda estou). E tentar retomar cada pequena ação diária que faz eu me sentir tão bem. É engraçado pensar isso porque com toda essa febre de signo, eu diria que é contra minha natureza pisciana não sonhar, não me abstrair da realidade. Eu diria isso, claro, se eu acreditasse nisso. Talvez tenha sido um processo de adaptação a novas realidades, responsabilidades, a aprender a lidar com a solidão de ser um humano.